segunda-feira, 21 de junho de 2010

O segredo de Isobel

Quem a vê caminhar pelas ruas do Brooklin não imagina o que se passa por detrás daquele sorriso encantador e das poucas roupas para uma fria manhã de outono.O sonho de uma vida melhor a colocou naquele pau-de-arara e terminou nesse terrível pesadelo que acaba de terminar.Ao descer daquela carroceria, sacodiu a poeira de seus ombros e se pôs a caminhar meio sem rumo por entre carros e pessoas correndo aparentemente pra lugar nenhum.Assustada e ao mesmo deslumbrada com a beleza das praças e construções conseguiu ajuda pra chegar até a pensão de Tia Edite, parente que ela não nunca vira.Era uma casinha simples do subúrbio da capital.
Parecia uma criança com os olhos brilhando a cada nova descoberta.Depois do primeiro banho em um chuveiro com água muito quente e todos aqueles produtos de higiene que ela sequer imaginava que existiam, ela se enxugou naquela toalha macia de fios brancos e perfume suave.E pela primeira vez em anos dormiu de barriga cheia sobre um confortável colchão de molas.
Mas a vida ali não seria fácil, já antes de o sol nascer ela estava de pé com seu vestidinho de algodão meio amarrotado e aquela típica sandália de tiras de couro, a cama feita e a água fervendo naquela pequena chama que ela custou a acender.Tia Edite a encheu de conselhos e a preveniu sobre os perigos daquela cidade.Edite custava a caminhar devido aos problemas em sua coluna tão castigada pelo trabalho e pelo tempo.Mesmo assim fez questão de levar a sobrinha do interior ao bar do Seu João, homem velho e de um grande coração, que a aceitou sem demora, entregando a ela um uniforme verde escuro.Tratou logo de ensiná-la tudo aquilo que aprendera nos longos anos que passou atrás daquele balcão.Não demorou muito até aparecerem os jovens que levados pelo boato queriam conhecer a menina-moça do interior, de traços singelos porém carnuda.
Mas ela não queria nada disso não.Ela sempre esteve às margens da sociedade, queria inclusão.Buscava por educação.E foi o que ela tentou, apesar de haver caminhos mais fáceis ela trilhou o caminho árduo do conhecimento.Até que apareceu João, não o do bar.João Gilberto era seu nome, rapaz esperto que morava no estrangeiro e que com grande maestria a conquistou.Seus pés já não tocavam o chão.O pensamento sempre nele, aquele coração apertado.Mal podia imaginar que JG  não era boa gente e que aquelas flores e encantos que ele fazia tinham um propósito maior.Ele nunca gostou da menina-moça, nunca se deixou gostar de ninguém.Ele a seduziu e foi fácil convencê-la a largar tudo, até mesmo o sonho que havia lhe levado até Brasília.Mudaram se pra NY e a promessa do casamento a alegrava a ponto de cegá-la e não perceber que já no avião ele sequer a tocou.
Ao chegarem  na suposta casa de JG, uma casa gigante e estranhamente decorada ela sentiu-se aliviada da cansativa viagem.Era dia mas todos dormiam ou não havia ninguém ali.Em um certo momento ela se permitiu questionar a agressividade com que ele a tratou se contrapondo àquela doce figura que conheceu no bar.
Passaram-se alguns dias pra ela se dar conta que  estava ali escravizada.Acreditou numa vida melhor, se entregou à paixão recente e ali estava.Presa como os canários na pensão de Tia Edite .O pior é que ela teve que se entregar.A cada homem que entrava naquele quarto luxuoso sua ferida aumentava, seu ódio era alimentado e corria por entre as veias de seu corpo.JG interrompeu um sonho, mudou pra sempre uma vida.
Seu nome agora era Isobel, a mais procurada prostituta da Rua IV do Brooklin, era uma lenda que fez de JG homem mais rico ainda.Ele só fazia desprezá-la e quanto mais o fazia mais seu ódio aumentava.Quando percebeu que mais meninas-moças como ela caíram no conto de JG ela fez aquilo que aprendeu com um grande mestre.Seduziu JG,  levou-o  para seu quarto  e com a mesma destreza que cortava o Mandacaru, fincou aquela faca no coração de JG que de tão incrédulo não conseguiu lutar.Isobel saiu dali, enquanto JG estava estirado na cama a sangrar.
Quem a viu caminhar pelas ruas do Brooklin com aquele sorriso encantador e com as  poucas roupas para uma fria manhã de outono não imaginava o tamanho de suas chagas.Agora, não era mais Isobel, sentiu-se plena.Voltou a ser Maria da Glória Sofrimento.

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