Caminhava pelo parque como em todas as noites daquela temporada.Parte em devaneios, parte sempre atenta ao comportamento humano.Escreveria um livro só com os fragmentos que roubei das vidas que por ali passaram.Poucos metros à frente da primeira curva, onde as dezenas de gatos concentram-se ansiosos pela ração ali colocada (misteriosamente por não sei quem), um homem que corria em minha frente não resistiu ao ver o gatinho de cor cinza todo desconfiado bebendo água e de forma sincronizada pulou em sua direção fazendo um barulho bizarro com a boca, mas que, obviamente, assustou o pobre animal.Perguntei-me qual seria o motivo dessa ação irrelevante aos olhos de muitos, engraçada para outros e desequilibrada para mim.Revoltei-me por alguns instantes e desejei intensamente que um alienígena ou uma raça superior aparecesse ali naquele momento e fizesse o mesmo com aquele sujeito; só pra perguntá-lo se ele continuava achando tudo isso divertido.Mas não podemos resolver as coisas dessa maneira, olho por olho e dente por dente estaríamos em um nível de degradação ainda pior.
Ao ler o livro, de onde retirei o trecho abaixo, pude entender melhor essa relação(ainda falarei muito sobre essa obra de Kundera, uma das mais abrangentes e fascinantes que já li).O parágrafo abaixo aplica-se à uma problemática muito maior.Mesmo assim, encaixo-a nessa pequena análise!Alguém discorda?
A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda a pureza e com toda a liberdade em relação àqueles que não representam nenhuma força.O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, situado num nível tão profundo que escapa a nosso olhar) são as relações com aqueles que estão à nossa mercê: os animais.E foi aí que se produziu a falência fundamental do homem, tão fundamental que dela decorrem todas as outras.(KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser/tradução Teresa Bulhões Carvalho de Fonseca. – São Paulo: Companhia das letras, 2008, 4ª reimpressão-pág. 283)
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